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24/04/2011
Pesquisa revela bilhetes entre devotos e ´Padim´
Podiam ser cinco linhas num papelzinho roto, ou três páginas esmeradas em descrever as mais diversas aflições. Muitas pediam a resposta pelo mesmo portador, dependo da urgência da demanda. Em todas, a confiança na intercessão e nos poderes do padrinho de Juazeiro, que aconselha sobre casamento e prevê invernos e secas. Que autoriza a mudança para Juazeiro ou desmente o risco de a pedra voadora provocar o fim do mundo. Cartas que testemunham uma rara e direta comunicação entre o devoto e o seu santo. A correspondência entre Padre Cícero e os fiéis é o mote do livro "Papel Passado: cartas entre o padre Cícero e os devotos", do historiador Régis Lopes, a ser lançado no final de maio. O livro é o segundo volume da Coleção ao Portador, do Instituto Frei Tito de Alencar, que reúne coletâneas de correspondências e análises sobre cartas. Continuidade Autor de outros três livros sobre a devoção em torno do Padre Cícero e as romarias de Juazeiro do Norte, Régis Lopes já havia trabalhado a questão da correspondência em um dos capítulos de "O Verbo Encantado", publicado em 1998. "Este livro não é uma ampliação, e sim uma continuidade a partir de uma mudança de interpretação. O Padre Cícero é uma figura que se faz a partir da devoção, porque não existe santo sem devotos. Antes analisei estas cartas como uma manifestação, entre outras, da fé popular. E agora eu vejo esses bilhetes como componentes da própria fé. Faz parte da devoção escrever, pedir por escrito", explica o historiador. A principal fonte para o "Papel Passado" são as cerca de 800 cartas e bilhetes guardados no Arquivo dos Salesianos, localizado em Juazeiro do Norte. As cartas utilizadas nesta pesquisa englobam as primeiras décadas do século XX. A correspondência foi organizada nos anos 70 pelo sociólogo Ralph Della Cava (autor de "Milagre em Joaseiro") e finalizada pelo padre Antenor Andrade. "Mas acredito que o Padre Cícero deve ter recebido um volume bem maior de cartas. Há registros de chegar até 100 cartas em uma única semana. No arquivo há desde as cartas ´profanas´, que registram a comunicação com políticos e amigos, até cartas de devoção". Segundo o historiador, o assunto mais recorrente nas cartas são relatos de doenças e pedidos de diagnósticos e remédios. Demandas a que o Padre Cícero respondia geralmente com indicações de receitas da tradição popular, como chás, infusões e emplastros com ervas. "É interessante notar a relação que as pessoas faziam entre as mazelas do corpo e o mundo da natureza, como na carta em que uma devota que diz que o marido estava louco e piorava em noite de lua cheia. Uma relação contemplada por livros como o ´Lunário Perpétuo´, leitura referencial para os sertanejos de então". Em seguida vinham os pedidos de intercessão e conselho em variados conflitos. Entrevero pela posse de terra, briga de vizinhos, infidelidade conjugal eram relatados sem rodeios ou pudores, com todas as letras, na confiança de quem abre seu coração no silêncio e intimidade de uma prece. E em terceiro vêm os pedidos de informação, que invocavam até mesmo supostos poderes adivinhatórios do "Padim". Se o ano é de chuva ou de sol, se há risco de invasão de cangaceiros ou até a revelação de quem teria roubado a vaca do vizinho são questões inquiridas nas cartas. "Em 1910, muitos devotos perguntam ao Padre Cícero sobre o boato que corria pelo sertão de uma pedra voadora que iria destruir o mundo, numa referência à passagem do cometa Halley naquele ano". CRENÇAS INCONCILIÁVEIS Conflito com a Igreja limita atos de fé Fortaleza Num período em que as romarias a Juazeiro eram perseguidas pela Igreja Católica como manifestações de fanatismo, uma carta a pedir o retrato do "Padim" de lembrança poderia ser interpretada como incentivo a um culto pessoal. Submetido a intensa vigilância, algumas posturas do Padre Cícero podem surpreender o leitor desavisado. Mas por meio das cartas e bilhetes é possível divisar o frágil equilíbrio que o sacerdote engendrou entre a crença nos devotos e a obediência à Santa Madre Igreja. Crenças, em essência, inconciliáveis. "Os romeiros tinham consciência desse conflito, muito mais do que a gente pensa. Um deles relatou em carta que, antes de se confessar, disse ao padre que iria pagar uma promessa em Juazeiro. O padre então o ameaçou de proibir sua entrada na igreja se ele fosse pagar a promessa", relembra o historiador Régis Lopes. A atitude do pároco, ao invés de suscitar medo ou dúvidas no devoto, acabou sendo "denunciada" ao Padre Cícero, dando conta de nomes, fatos e lugares na missiva. A perseguição da Igreja, longe de arrefecer as romarias, acabou dando mais prestígio ao Padre Cícero. "Dentro da tradição cristã, todo santo é perseguido, assim como Jesus foi perseguido. E a vida de um santo é a imitação da vida de Cristo", argumenta o historiador Régis Lopes. E como Padre Cícero se posicionava neste trânsito de pedidos e devoções? No Arquivo dos Salesianos, há algumas das respostas do Padre Cícero aos pedidos dos fiéis. Não muitas, mas o suficiente para entrever uma postura, à primeira vista, contraditória. Em muitas cartas, Padre Cícero busca claramente controlar as romarias e algumas demonstrações de fé mais exaltadas de romeiros e beatos. "A tese do livro é que Padre Cícero é uma figura profundamente ambígua. É simplista ver o Padre Cícero apenas como símbolo da religiosidade popular. Ele não é só isso. Como padre, Cícero é um componente da hierarquia católica, e muitas vezes teve disposição de reprimir certos comportamentos. Ele poderia ter rompido com a Igreja, mas não o fez. Então há momentos em que ele apoia os romeiros, e em outros ele exerce uma repressão tão forte quanto a dos bispos". Para Régis Lopes, o livro não encerra possibilidades de pesquisa. Os diferentes meandros dos fatos que levaram à criação e desenvolvimento de Juazeiro do Norte estão sempre a suscitar mais e mais trabalhos. "Acho que ainda é um assunto pouco estudado, apesar das boas dissertações e teses". FIQUE POR DENTRO Edições especiais Até julho, quando se celebra o centenário de Juazeiro, o Caderno Regional publica, todo mês, a edição especial "Juazeiro do Norte - 100 anos". O objetivo é contemplar aspectos da história, da política e do cotidiano que tornaram a cidade um dos maiores centros de romaria do País. O caderno de estreia abordou o "milagre" em Juazeiro. Já a segunda edição teve como tema os romeiros do Padre Cícero. Karoline Viana
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